sexta-feira, 30 de maio de 2014

O MEMORANDO DE BUDAPESTE

O MEMORANDO DE BUDAPESTE E A ESTRATÉGIA GLOBAL DA RÚSSIA NA UCRÂNIA

São conhecidos os antecedentes históricos que levam a Península da Crimeia à soberania da Ucrânia em 1954 pela mão de Nikita Khrushchev e os problemas daí decorrentes com a presença em Sevastopol da frota russa do Mar Negro. Todavia, a crise da Ucrânia ultrapassa em muito a questão da Crimeia que serviu, num momento inicial, como o “gatilho visível” da crise, mas que tem a sua origem numa questão muito mais complexa e abrangente. Quando, em 1994, o Reino Unido, os Estados Unidos da América e a Rússia assinaram o Memorando de Budapeste (mais tarde também subscrito pela França e pela República Popular da China), com o qual foi possível a transferência do arsenal nuclear russo da Ucrânia, em troca da manutenção da integridade territorial ucraniana, a percepção russa da ordem global relativamente à sua posição geoestratégica, era de desanuviamento e não de contenção.
Ukraine ProtestsAcontece, porém, que o crescente domínio norte-americano da ordem económica e securitária, colocou na balança do poder global uma nova percepção, em especial, a partir de 2004 quando se deu o quarto alargamento da NATO, o quinto alargamento da União Europeia e a Revolução Laranja. A Ucrânia representa hoje a última peça do puzzle geopolítico a Oeste, que não integra um espaço colectivo económico e de segurança associado ao bloco Estados Unidos-União Europeia. Nesta perspectiva, a implementação com sucesso do acordo de associação entre a União Europeia e a Ucrânia em 2013, entendido com um passo decisivo na aproximação à União Europeia, bloquearia o acesso russo à União Europeia, colocaria mais uma fronteira sob influência não russa, inviabilizaria os esforços da criação da futura “Euroasian Customs Union” prevista para 2015, incrementando, deste modo, ainda mais a percepção da Russa de confinamento e contenção face ao bloco do espaço Europeu.
A Federação Russa, manobrando através de um estratégia indirecta de contra-contenção do bloco Estados Unidos-União Europeia, procura afirmar o seu poder na ordem global, desenvolvendo duas linhas de acção estratégicas. Por um lado, alimenta a perturbação no território da Ucrânia com a finalidade de criar um problema à própria União Europeia, recuperando assim a posição estratégica que representa a Península da Crimeia e procura preservar a sua influência neste “seu” último bastião charneira. Por outro, todos os indicadores apontam para que esteja a desenvolver e a reforçar a sua posição face à República Popular da China, como única alternativa para combater a hegemonia do bloco Ocidental e assim reforçar a sua própria posição no contexto do G7+1, do G20, dos BRICS, do Conselho de Segurança das Nações Unidas, da Organização Mundial de Comércio e na Região do Pacífico e da Ásia Central.

Creio que a atual crise da Ucrânia tem potencial para um realinhamento da ordem global, num momento em que a percepções russas de contenção atingiram o seu valor mais alto e em que, as relações entre a Federação Russa e a República Popular da China parecem desfrutar de “bons” ventos. A Federação Russa é uma das potências da ordem mundial e, tal como mostra a história, as grandes potências não integram espaços de poder criados por outras grandes potências, pelo contrário, criam e dinamizam os seus próprios espaços. Estas são, segundo creio, razões para acreditar que a crise na Ucrânia representa apenas a parte visível da estratégia global da Federação Russa, capaz de alterar significativamente o xadrez do poder da ordem global. 
See more at: http://jtm.com.mo/opiniao/memorando-de-budapeste-estrategia-global-da-russia-na-ucrania/#sthash.WAaTEBqB.dpuf

Nenhum comentário:

Postar um comentário